quarta-feira, janeiro 04, 2006

Rádios locais e globalização

A revista Media XXI nº 84 trás uma interessante entrevista a Dennis McQuail. O investigador traça uma perspectiva dos meios de comunicação social no início do século XXI que merece uma leitura atenta do artigo.
Destaco a passagem em que fala dos media regionais:

"(…) a globalização dos media tende a que estes dêem mais enfoque a notícias globais e internacionais, gerais, inserindo-se no fundo numa cultura global. Isso enfraquece os media nacionais, mais do que os regionais. A globalização não pisa os campos dos media regionais e não satisfaz as necessidades de notícias localizadas e detalhadas que estes sustentam”.

Este é um excelente motivo para se falar da função que as rádios locais portuguesas podem desempenhar no cenário radiofónico nacional. Quando se fala em espírito das rádios locais – um termo difuso – normalmente quer-se designar um sentimento que varreu o país na década de 80 quando foi invadido por um sem-número de pequenas emissoras piratas.

Tal como sucedera com as rádios Livres, que tinham mudado o cenário e o discurso da comunicação social duas décadas antes em países como a França ou Itália, as rádios- piratas trouxeram um discurso informativo diferente, agora centralizado, na abordagem às questões públicas locais. Aliás, as (poucas) referências históricas sobre o movimento das rádios-piratas em Portugal, mostra-nos um conjunto de exemplos que ilustram a importância que a informação local significou para o aparecimento daquelas emissoras, apoiadas, directa e indirectamente, pelas autarquias, empresas, associações locais e sobretudo pelas populações desejosas que estavam de ver os seus problemas, questões ou projectos retratados no espaço mediático.

A informação local é a mais-valia das rádios locais. Recorde-se Chantler e Harris, (1997) quando referem que “num mercado competitivo, a informação é uma das poucas coisas que faz o som da rádio local distinto […]”.Umberto Eco atribuíra à informação uma das principais transformações provocadas pelo surgimento das rádios independentes.
É interessante o que Bernardo Díaz Nosty (1997) diz acerca dos media locais e regionais, incluindo naturalmente as rádios locais. Nosty defende que se tratam de meios especializados geograficamente, ou seja que devem apostar em estratégias que reforcem essa especificidade. Só assim, sublinha Nosty, os media locais desenvolverão a função para a qual foram criados, incrementando valores de cidadania e democracia.
No registo da globalização, a vantagem discursiva das rádios locais portuguesas situa-se ao nível dos contextos alternativos que podem disponibilizar para os seus ouvintes.

A abertura em Portugal do sector radiofónico às emissoras locais está, contudo, implicado numa complexa legislação, que nem sempre tem tomado em linha de conta as especificidades destas emissoras locais, criando dispositivos que na prática, impedem que as emissoras locais – pelo menos algumas delas – não consigam desempenhar as funções para as quais foram originalmente criadas.

Hoje há pelo país um conjunto significativo de rádios locais que possuem redacções com apenas um jornalista. E esse está lá porque a lei a isso obriga. Em determinados concelhos do país há duas ou três rádios locais, quando dificilmente haveria espaço para uma. O resultado, em muitos casos e para cumprir a lei, passa por divulgar o press-release que chegou da câmara local, ou por simplesmente ler num dos três noticiários que a legislação impõe, o artigo do jornal da terra.
Há, por outro lado, rádios locais que aproveitam os recursos que entretanto conseguiram para se expandir geograficamente, abdicando, uma vez mais, das suas funções enquanto emissora local.
Neste cenário, os temas e as vozes são as mesmas das emissoras nacionais. As populações locais viram-se privadas de uma importante caixa de ressonância.
No limite é a democracia que perde.

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